domingo, 29 de maio de 2016

Hannah Arendt

É muito difícil escrever sobre Hannah Arendt, mas é ainda mais difícil não escrever. Então, vou falar sobre esse filme impactante.

Historicamente, Hannah Arendt é uma filósofa política alemã judia, discípula e amante do filósofo Heidegger, que influenciou seu pensamento.

Hannah nasceu na Alemanha, perdeu o pai aos 7 anos e foi educada pela mãe num ambiente intelectual, que começou a formar sua personalidade. Embora judia, não se considerava pertencente a nenhuma comunidade religiosa. 

Muito antes da guerra, Hannah já analisava a exclusão dos judeus e começava a flertar com o feminismo. Em 1933, já com a Alemanha sob o domínio de Hitler, Hannah foi proibida de defender uma de suas teses. Em razão de seus conflitos com os ideais do nazismo, ela saiu da Alemanha. Estabeleceu-se por um tempo em Paris, mas não conseguiu escapar do campo de concentração de Gurs, onde foi internada com o seu marido Heinrich. Conseguiram escapar e foram para os Estados Unidos, onde continuaram a desenvolver suas carreiras acadêmicas.

O filme aborda um período específico da vida de Hannah, em que ela, já vivendo nos Estados Unidos, tem a oportunidade de acompanhar o julgamento do nazista Adolf Eichmann, e escrever suas impressões em artigos para a revista The New Yorker. Embora todos imaginassem que ela o fosse condenar, no entanto, Hannah surpreende a todos com uma análise diferente da personalidade de Eichmann. Para ela, ele havia perdido aquilo que torna as pessoas humanas, a capacidade de julgar, de contestar, de raciocinar! Eichmann alega que apenas cumpria ordens relacionadas ao transporte de judeus, e não os matava diretamente. 

A recepção ao artigo, no entanto, não foi das melhores, mas Hannah mantém-se firme em suas opiniões, defendendo-as na universidade em que leciona, ainda que isso custe algumas de suas mais caras amizades. 

O que o filme apenas sugere, na minha opinião, é que essa mulher, uma das maiores intelectuais do século XX, é muito maior do que tudo isso!

Ela nasceu numa época em que a mulher não tinha grande destaque, foi aluna de um filósofo brilhante, que era o seu grande amor, embora casado, um amor que ficou pela metade. Casou-se duas vezes e, na segunda, o filme insinua que tolerava as traições do marido, sem qualquer julgamento ou rancor. Cheguei a pensar como uma mulher tão à frente de seu tempo poderia admitir tal comportamento, mas, talvez por estar tão além destas coisas mundanas, testemunha da triste história num campo de concentração e da própria guerra, ela pudesse não se importar com isso. 

Hannah, que sentiu na pele o antissemitismo e a necessidade de abandonar tudo para ficar viva e, além disso, toda a expectativa de conhecer um nazista, imaginá-lo como um homem frio e cruel, acabou por deparar-se com um homem comum, um burocrata que sequer contestava ordens. Não há como não perceber que tudo aquilo aumentava a sensação de impotência diante do horror do holocausto e o espetáculo do julgamento de um homem velho e doente nem sequer proporcionou-lhe a sensação de que a justiça poderia ser feita. 

Para mim, Hannah permanece um mistério. Não porque o filme deixou de esclarecer quem foi, não era esse seu intento, mas porque ela era muitas. Talvez, para penetrar na profundidade dos seus pensamentos, nos restem seus livros, suas obras, e o famoso texto escrito para o The New Yorker, que causou tanta revolta: a banalidade do mal.




domingo, 22 de maio de 2016

Sexo por compaixão

O título já desperta curiosidade. Assisti esse filme há bastante tempo, mas lembro de sua força, da forma como expressa o poder do feminino, que pode mudar qualquer coisa.

Uma pequena cidade espanhola, pobre e esquecida. Um mulher caridosa, Dolores, que supera as próprias dificuldades para ajudar quem precisa. Seu marido Manolo, no entanto, não aprecia essa qualidade e resolve deixá-la, saindo da cidade.

Dolores questiona si própria, pensando se ajudar os outros seria mais um defeito do que uma qualidade. Tenta confessar-se, mas o padre diz que ela sequer tem pecados. Dolores resolve, então, mudar isso! 

Um dia, Dolores muda a vida de um homem, fazendo sexo com ele. Dolores transforma-se em Lolita e passar a fazer sexo por caridade com diversos homens da cidade. Num primeiro momento, as mulheres ficam enciumadas e indignadas. Os homens ficam intrigados. Mas, conforme o tempo passa, as mulheres percebem que seus maridos estão mais atenciosos, a cidade, velha e sem graça que, aliás, é filmada em preto e branco no início, começa a ser melhor cuidada e ganha cor, literalmente. Todos cultivam flores, pintam as casas.

Lolita era puta ou santa? Essa é a pergunta que paira no ar. De qualquer forma, todos estavam mais felizes e as mulheres aceitam a "ajuda" de Lolita.

Um dia, porém, o marido de Dolores retorna e, ao descobrir o que sua mulher estava fazendo, fica revoltado. Lolita volta a ser Dolores e a cidade volta ao marasmo sem cores. Indignadas, as mulheres da cidade se unem para mostrar a Manolo como é difícil o que Dolores fazia. O final é surpreendente: Manolo também acaba fazendo sexo por compaixão, e as mulheres da cidade também se beneficiam de seus serviços.

Esse filme me chama a atenção por várias razões. A primeira é que relativiza tudo. A caridade pode ser boa ou ruim, o sexo sem qualquer compromisso, praticado por uma mulher com vários homens, ideia a princípio execrada pela sociedade, torna-se muito libertador, até mesmo a "traição" dos homens torna-se positiva. O sexo é retratado como um poder quase sagrado, movimentador de forças psicológicas e emocionais que levantam a cidade e seus habitantes. 

O fato de um poder feminino fazer isso também é incrível, a mulher com essa força feminina arrebatadora, capaz de prover a vida - não no sentido da maternidade - mas de alimentar com abundância de felicidade ao fazer o uso do seu instrumento sagrado, seu corpo. 

Além disso, o fato de Dolores não corresponder à qualquer estereótipo de beleza imposto pela mídia demonstra que todas as mulheres têm sua beleza, seu valor e seu poder. Podemos, com a nossa força, colorir o mundo!

sábado, 21 de maio de 2016

Augustine

Eu sou apaixonada pela história da psiquiatria, principalmente em seu início, no século XIX. Naquela época, um fenômeno interessante era a presença da chamada Histeria que, com seus diversos sintomas, era responsável por um bom número de internações. Detalhe: a histeria se manifestava predominantemente em mulheres (existiram casos em homens, mas eram exceções). Trata-se de uma doença antiga que chegou a ser conhecida como "doença do útero", porque acreditavam que seus sintomas surgiam quando o útero - uma espécie de organismo vivo - se movimentava dentro da paciente. 
Alguns dos nomes mais conhecidos no tratamento da Histeria eram Charcot, Breuer, Freud e Pierre Janet. 

O filme Augustine conta a história de um dos casos reais de Histeria tratados por Charcot no Hospital Pitié-Salpêtrière, em Paris, na época, um hospital especializado com muitos casos de histeria feminina. 

Augustine era uma empregada doméstica numa casa francesa de bom poder aquisitivo e tem uma crise durante um jantar, na frente de todos os convidados. Ela é levada ao Hospital Salpêtrière e seu caso se torna célebre. O que eu gostaria de chamar a atenção para esse filme é a realidade por trás dele e como essas mulheres eram internadas e tratadas de forma um tanto quanto aleatória e às vezes até cruel, já que a psiquiatria estava em seus primeiros passos, e os tratamentos ainda se baseavam em tentativa e erro. 

O principal tratamento estava relacionado à hipnose, mas é visível que os médicos, naquele momento, estavam meio perdidos, elaborando teorias sem muita base.
O caso de Augustine é apenas uma amostra do que muitas mulheres passaram, aliás, na Idade Média, a Histeria foi tratada, muitas vezes, como possessão demoníaca e, consequentemente, aquelas mulheres foram punidas pela Inquisição.  

Agora, quero relacionar esse filme com outro, cujo título é Histeria, bem mais leve do que Augustine e trata da história real da invenção do vibrador. É isso mesmo que você está pensando: a histeria era tratada com orgasmos. Neste filme, porém, a histeria tem aquela "cara" mais parecida com o que o senso comum pensa, mulheres histéricas, insatisfeitas com a sua vida, e nada parecido com os sintomas de paralisia, por exemplo, presentes em Augustine. Apesar da ideia aparentemente machista, o filme retrata o empoderamento feminino através da personagem vivida por Maggie Gyllenhaal, uma mulher independente e corajosa, bem à frente de seu tempo. 

Detalhe interessante: ambos os filmes são dirigidos por mulheres. 

De qualquer forma, a classe médica, inicialmente masculina, trabalhou muito bem a sua suposta superioridade ao longo dos séculos. Os casos de Histeria apenas demonstram o preconceito a que as mulheres eram submetidas. Muito se falava, com relação à essa doença, que estava relacionada à sexualidade, ou seja, mais uma vez, a conduta feminina é colocada em dúvida. Atualmente, não se fala mais em Histeria, seus sintomas foram absorvidos por outras doenças, de caráter emocional ou orgânico, e perdeu o caráter exclusivamente feminino. 

domingo, 27 de março de 2016

Sedução

O filme se passa num internato feminino inglês na década de 30. As personagens são interessantes e retratam as diversas e contraditórias facetas do comportamento feminino: sensualidade, força, inveja, agressividade, ingenuidade, malícia, sensibilidade, e tantas outras. A trama gira em torno de um grupo de alunas que forma uma equipe de natação e sua enigmática e sensual professora, Mrs. G. As alunas se inspiram na professora, com destaque para Di, cuja veneração é evidente. A chegada de uma nova aluna vinda da nobreza Espanhola, Fiamma, muda a dinâmica do grupo, despertando curiosidade, competitividade e inveja. A favorita Di se ressente imediatamente por perder a predileção para a nova aluna, que parece saber mais sobre tudo e ser uma excelente mergulhadora. Aos poucos, Mrs. G. começa a se interessar por Fiamma e acaba descobrindo que foi expulsa de casa por se envolver com um plebeu. Enquanto seu interesse pela aluna aumenta, Fiamma começa a perceber que as fantásticas histórias de Mrs. G. sobre suas viagens pelo mundo nada mais são do que reproduções da literatura. As outras meninas, cada vez mais enciumadas, começam a tratá-la com agressividade. Cabe analisar as facetas destas personagens. Como Mrs. G. passou da mulher segura e avant-garde para a imagem da insegurança e obsessão com uma aluna. Quantas de nós, apesar de todas as conquistas e momentos de superação, não nos sentimos fracas e inadequadas, inseguras e sozinhas, buscando espelhar-nos em outras mulheres mais fortes? Quantas vezes pensamos que deveríamos abandonas tudo e partir para uma vida mais real e gratificante e não o fizemos, deixando-nos corroer pelo medo? Ou, como Di, quantas vezes lideramos porque alguém tinha que fazê-lo e, ao nos sentirmos ameaçadas por outras personagens, nos armamos para combatê-las. Como a arrogância é sinal de insegurança! E como, para ser livre, é preciso mais do que palavras.


Acho interessante fazer um paralelo com outro filme semelhante, O sorriso de Monalisa, cuja personagem vivida por Julia Roberts, Katherine, também é uma professora numa tradicional escola inglesa nos anos 50. A diferença, porém, é que ao contrário de Mrs. G., Katherine era realmente uma mulher à frente de seu tempo e vivia isso em toda sua plenitude. Contestada pelas alunas no começo, acaba por tornar-se seu exemplo e, no fim, opta por deixar o colégio por não concordar com as limitações impostas para suas aulas de História da Arte. Katherine era a forte mulher que todas desejamos ser sempre, sem dúvidas sobre suas escolhas. Mrs. G., por outro lado, acaba por se mostrar frágil, desequilibrada e insegura, como tantas vezes nós também somos. É muito difícil ser o tempo todo como Katherine, acredito. Ás vezes, somos também Mrs. G. Em ambos os filmes, o ambiente predominantemente feminino revela de início o velho clichê da suposta inveja e competitividade feminina mas a união e a amizade acabam superando isso. Minha conclusão é que o universo feminino é realmente muito complexo e o nosso crescimento é um longo processo cheio de momentos lindos e dolorosos, mas muito enriquecedor. 

domingo, 31 de janeiro de 2016

Ágora

O filme entrelaça a história da Filósofa Hypatia de Alexandria e o início do domínio cristão 400 anos depois de Cristo.

Existem dois aspectos interessantes nessa obra: a forte personagem feminina, filósofa, astrônoma e professora, que desperta a ira e o fanatismo cristão, tomando proporções inacreditáveis ao longo da obra.

Acostumados que somos a pensar sempre nos cristãos sendo devorados por leões no início do cristianismo, aqui eles se tornam os vilões. O fanatismo e a loucura tomam conta da cidade de Alexandria, onde os pagãos e judeus são, aos poucos, aniquilados.

É claro que a independência de uma mulher como Hypatia causa problemas com aqueles homens cristãos ignorantes. Embora nunca tenha se interessado por nenhum homem, ela é chamada de prostituta, além de bruxa, e acusada de ateísmo. 

Muito interessante ver os cristãos sob essa perspectiva. Sempre penso na ironia dos lugares de poder na História. Os judeus que assassinam os cristãos são as vítimas do nazismo. Os papeis se invertem nesse momento, onde judeus e pagãos são vítimas e os cristãos, algozes, enfim, é interessante observar essa dinâmica, que, ao menos para mim, traz a reflexão do quão impermanente são as posições que ocupamos. 

Mas, para mim, o elemento mais interessante do filme é a presença forte de Hypatia, que discutia de igual para igual com os homens, uma mulher que se dedicava inteiramente à busca pelo conhecimento, sem se importar com casamento, filhos, totalmente fora dos padrões!




sábado, 30 de janeiro de 2016

Azul é a cor mais quente

O filme retrata um relacionamento entre duas mulheres, uma delas já consciente de sua sexualidade e de suas escolhas, a outra ainda descobrindo suas preferências. Há muita sensibilidade na retratação dessa relação. Mesmo as explícitas cenas de sexo trazem a urgência da força do feminino. Por outro lado, a abordagem está mais nos sentimentos e no cotidiano da relação, não levantando bandeiras sobre liberdade e homossexualismo. 

Ao longo do filme, o relacionamento vai evoluindo e mudando de estágio e, assim como em qualquer relação, se alteram as percepções e a dinâmica do casal. 

Interessante observar que os relacionamentos têm problemas muito semelhantes, sejam eles como forem, e não estou falando só de homossexualismo, mas de maturidade, questões culturais, e toda e qualquer diferença que se possa imaginar, ou seja, as semelhanças dos desafios que enfrentamos em nossas relações nos uniformizam em nossa essência humana e superam as características individuais. 

Também é interessante observar que pode haver pitadas de machismo em qualquer relação, seja nos xingamentos ou nas agressões que acontecem em uma discussão. 

A meu ver, um belo filme sobre pessoas comuns que vivem um amor verdadeiro, retratado com sensibilidade e arte. 

sábado, 16 de janeiro de 2016

Dançando no escuro

Não é possível ficar indiferente ao drama que Lars Von Trier nos traz com esta história. 
Uma vida simples e sem perspectiva é o que Selma (Björk) apresenta de maneira primorosa. Como sempre, Von Trier contrapõe a miséria humana, o egoísmo, o preconceito e a simplicidade, a humildade, a amizade e o amor. Também como em outros filmes do diretor, a protagonista é uma mulher forte diante dessa miséria. 
Selma trabalha numa fábrica juntando todo o dinheiro que recebe para pagar uma cirurgia para seu filho. Sua vida é humilde e difícil. Seus vizinhos a ajudam, assim como os companheiros da fábrica e o grupo de teatro do qual participa. 
Como se a realidade não fosse triste o suficiente, uma traição de uma pessoa de sua confiança muda seu destino. A injustiça da situação toda é desgastante. O sonho americano - se é que ainda existe esse conceito - vai por água abaixo com o desenrolar dos acontecimentos. 
O final é trágico, mas trágico naquele ponto em que você realmente fica achando a vida uma desgraça completa e o ser humano o pior erro de todos. Todos que assistem o filme comentam que choraram até desidratar e eu não sou exceção.
Excelente!